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Seres da burocracia

  • Vicente Cevolo
  • 9 de jan. de 2019
  • 2 min de leitura

O professor contemporâneo está longe de ser mestre, a começar pela carência do elemento indispensável para sê-lo: o amor à ilustração. Não nos esqueçamos que os maiores mestres do ontem também foram notáveis eruditos, sobretudo porque se dedicaram à grande letradura universal com o mesmo empenho com que um jardineiro cultiva as mais belas flores do seu jardim. Eram amantes das Geórgicas de Virgílio; diletavam com etusiasmo sobre o naturalismo de Humboldt; sabiam enriquecer as partituras do espírito com as melancólicas notas de Chopin.


O filólogo Wilamowitz-Möllendorff, famoso em virtude de sua polêmica com o Nietzsche de Die Geburt der Tragödie, e o influente gramático Napoleão Mendes de Almeida, entre nós, são exemplos de exímios mestres. Möllendorff, pelo exemplo de ensino antidogmático, herdeiro da cultura escolástica, que procurava aos alunos ensinar a importância do estudo minucioso das teses contrárias às nossas, uma vez que a boa crítica pressupõe a compreensão dos argumentos adversários melhor do que os próprios adversários; Napoleão, pela indefessa dedicação ao ensino da norma culta e ao ataque à sua crítica, que distancia os estudantes dos tesouros escondidos nas entranhas do universal para trancafiá-los na masmorra dos solecismos provindos da “falta de escola”. Em ambos, sente-se ao final de cada trecho escrito a ressonância de séculos de leitura, que o amor desinteressado ao saber os fez alcançar em apenas uma vida.

Portanto, em um passado não muito distante, quando os educadores eram mestres, amantes das sapiências, podíamos dizer que habitavam os planos do saber e da alta cultura, representando-os com majestosa dignidade. No entanto, nos dias atuais, não passam de seres que, ao lado dos demais funcionários das escolas de ensino básico e dos departamentos universitários, habitam o maquinal domínio dos trâmites administrativos, movidos pelo "paradigma das metas", tal qual um contratado do terceiro setor, obcecado por resultados quantitativos, e emburrecidos por modelos desconstrutivistas imbecis. Hoje em dia, os professores não são mais professores, ou seja, criaturas consagradas ao conhecimento e ao seu ensino, como outrora o foram, mas animais que servem exclusivamente à burocracia [1], alimentando-a e, em alguns casos, beneficiando-se financeiramente com ela.



[1] Preenchimento de diários virtuais, aplicação de conteúdos prontos, reuniões de departamento, relatórios para instituições de fomento, publicações quantitativas ...



 
 
 

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