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Os disfarces do professor contemporâneo

  • Vicente Cevolo
  • 11 de dez. de 2018
  • 4 min de leitura

Máscaras de Veneza em destaque (Olga Beltrão)





1. Máscaras utilizadas pelo professor secundarista (teacher)



(A) Fazer uso estratégico da "retórica de cursinho"


Com a desculpa esfarrapada de descomplicar a transmissão de conhecimento em sala de aula e, em um só tempo, esconder do público discente sua enciclopédica ignorância, os professores de hoje tendem a ignorar o saber dos clássicos universais e a requintada complexidade conceitual dos livros técnicos, ambos localizados a distâncias astronômicas de seu pequenino arcabouço teórico. Em seu lugar, substituindo sapiência séria, que deveria ser obrigatoriamente transposta aos alunos, por incultura barata, os professores ministram em suas aulas-show amarrados de informações supérfluas, extraídas de apostilinhas, expostas em quadros bem desenhados, com giz colorido, ou apresentadas por meio de encenações artificialmente planejadas, eslaides com efeitos pirotécnicos, brincadeiras pueris e trocadilhos musicais à beira do ridículo.


(B) Fazer pós-graduação em "faculdades caça-níqueis"


É sabido que nos corredores dos departamentos é mais bem quisto e bajulado pelo pares aquele que ostenta títulos acadêmicos obtidos em renomadas instituições de ensino superior, a despeito da costumeira desrelação - ou relação inversamente proporcional - existente entre a pomposidade do canudo camurça e o percurso de maturação intelectual que ele deveria simbolizar. Não obstante, no ambiente da escola privada a coisa não funciona bem assim: no que se refere a titulações, o importante é tê-las, independentemente se obtidas à distância ou em qualquer porta aberta no centro da cidade com nome de liceu. Claro está que as qualificações não funcionam como condição certa de empregabilidade, absolutamente. Porém, a sua falta no currículo pode impedir o educador de progredir na carreira, quando não derrubá-lo de sua própria cátedra pelos mais jovens que a possuem. Ao lado do Q.I, que não significa aqui “quociente de inteligência”, entendamos, mas “quem indica”, portar títulos comprados em faculdades de “fundo de quintal” é uma maliciosa artimanha para diferenciar quem o faz dos demais concorrentes e garantir uma vaga na estreito estacionamento do quadro docente das escolas particulares. Em um cenário de tamanho desprezo pelo verdadeiro conhecimento, que desloca a consciência das interpenetrações anárquicas do real e a escraviza aos interesses comerciais do vestibular, o que de fato vale é o papel timbrado. É lamentável, mas um certificado carimbado de uma pós-graduação suspeita, o efeito psicológico que ele transmite ao imaginário das bancas de seleção (herança dos provectos tempos do código manuelino e das ordenações filipinas, para os quais os graus acadêmicos eram quase títulos de nobreza) dá mais credibilidade ao profissional nos colégios particulares brasileiros do que erudição sólida, domínio de sala e aulas bem ministradas. Todavia, diferentemente de Portugal, a história da instituição que os concedeu e, principalmente, a qualidade intelectual do docente que os porta, que não necessariamente tem a ver com a instrução recebida na burocracia acadêmica, nesse ambiente realmente não contam. O que conta é a visibilidade que tais formalidades conferem à escola no universo ilusionista da propaganda. Nesse sentido, para cativar as coordenações pedagógicas, o importante mesmo é posar de especialista!



(C) Fazer nome na praça e viver sob a sombra desse nome


No prefácio de Metafísicas canibais, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro alega ter tergiversado seriamente antes de aceitar publicar essa obra no Brasil. Por se tratar de uma reedição dilatada de antigos textos seus, Viveiros de Castro temia desembocar na “maldição de todo intelectual, cientista ou artista em decadência” [2]: o autoplágio. Quer dizer, extintos os sopros do “espírito criador”, passar o restante da vida reflexiva condenado a plagiar-se a si mesmo, isto é, a viver de escritos que nada mais são que reciclagens de alguma ideia original trancafiada no passado da própria trajetória intelectual.

i) Adquirir formação acadêmica satisfatória e procurar ser competente nos primeiros anos de docência. Logos depois, decorrida a fase do “mal necessário”, na qual os que têm ojeriza ao conhecimento são constrangidos a educar-se formalmente, passa-se a colher preguiçosamente o que se plantou. Nessa altura não é mais necessário estudar, bastando enganar o público estudantil, alimentando-o com a falsa ideia de que ainda se é no presente o mesmo docente que se foi no passado, a saber, aquele cérebro disponível dos “tempos da ladeira”, apto a descascar os “abacaxis teóricos” mais laboriosos e a oferecer lições repletas de densas sínteses.


ii) Esconder-se atrás do nome da instituição de ensino, confundindo-se com ele. Salvo raríssimas exceções, que só confirmam a regra, colégios particulares tupiniquins são autênticas onorate società. Assim sendo, é evidente que os critérios de “seleção” do quadro docente não seriam concebidos fora do escopo das práticas inescrupulosas, características das máfias (sem aspas!) empresariais que controlam esse setor da educação. Para serem contratados, os pretendentes à cátedra devem observar com atenção algumas regras básicas, estipuladas arbitrária e silenciosamente pelas próprias escolas, na medida em que não existe controle real das superintendências de ensino ou de outros segmentos do Governo Federal. Essas regras são essencialmente antirregimentais, invisíveis, avessas à meritocracia, visto que quase inexiste concorrência em processos seletivos, e favoráveis ao nepotismo não sanguíneo, de tipo abstrato, que elege este ou aquele candidato com base em relações de compadrio (a “benção” de algum padrinho, interno à instituição) e afinidades grupais. Observados tais critérios, entra-se nas escolas sem know-how, apenas por indicação, e depois passa-se a gozar do nome valorizado em razão da associação deste à instituição em que se leciono por anos (“boa escola, bons professores”).



2. Máscaras utilizadas pelo professor universitário (professor)



[1] "Máscaras de Veneza em destaque", Pintura (100 x 120 cm), 2002.

[2] CASTRO, Eduardo Viveiros. Metafísicas canibais. Elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU Editora, 2018, p.12.


 
 
 

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