Mortais
- Vicente Cevolo
- 24 de nov. de 2018
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"La romería de San Isidro" (Goya)
O pertencimento necessário e a conformidade inalienável da ordem humana à ordem real (φύσις) fora, com raras exceções, um princípio autoevidente para os espíritos antigos. Talvez por isso a sensata cultura grega pouco se utilizava dos substantivos ἄνθρωπος e ἀνήρ para designar “homem”. No período homérico, por exemplo, quando queriam se referir à condição humana, os melhores helenos empregavam o termo βροτός (finito) [1], enquanto que no período ateniense preferiam utilizar, no dialeto ático, como Platão, a forma θνητός (mortal) [2].
Ou seja, para os gregos, em termos ontológicos, o homem não se situava na duração telúrica como que alheado do devir heraclitiano, ocupando um vértice diferenciado e privilegiado capaz de lhe conferir a capacidade de dominar através da técnica a esfera natural e por artifício da política a esfera social. Como tudo que se agita na imanência, embora providos de juízo e livre-arbítrio, os homens não deixavam de ser funcionários da espécie exatamente como os fenômenos finitos. Não estavam acima ou abaixo da poeira temporal, iludidos diante da possibilidade de reconhecer e controlar cada um de seus grãos. Noutras palavras, não eram os indivíduos racionais forjados no Novum Organum por Francis Bacon. Eram apenas mortais, alinhavados ao mundo corruptível.
[1] ἤν τίς τοι εἴπῃσι βροτῶν, ἢ ὄσσαν ἀκούσῃς (Homer, Odyssey, 1.282).
[2] ὅθεν ἡδονὴν μὲν τοῖς ἄφροσιν, εὐφροσύνην δὲ τοῖσ ἔμφροσιν διὰ τὴν τῆσ θείασ ἁρμονίασ μίμησιν ἐν θνηταῖς γενομένην φοραῖσ παρέσχον (Plato, Hippias Major, 411, 1).
[3] La romería de San Isidro (Francisco de Goya, 1820-1823), 140 x 438 cm, Museu do Prado.
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