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Voegelin e a descoberta da mentalidade americana

  • vicentecevolo
  • 22 de set. de 2018
  • 2 min de leitura

Após algum tempo de imersão na cultura estadunidense do pós-guerra, Eric Voegelin, ao colocar em xeque a pertinência epistemológica dos pesados aparatos neokantiano e neopositivista da época, aos quais estava aclimatado, acaba descobrindo a fecundidade espontânea da “mente americana”. Segundo Voegelin, a mentalidade européia clássica, que ele conhecia de perto desde a juventude em Viena, mormente versava a respeito de uma existência lógica dada a partir de categorias apriorísticas, por vezes vazias de substância vital, muito embora coerentes e irrepreensíveis sob o ponto de vista das formalidades. Como se fossem conglomerados intestinos à história das ideias, acantoados das práticas sociais, os problemas do mundo pareciam brotar da complexidade abstrata dos sistemas de pensamento, das suas formas de recepção e das suas categorias estruturantes.


À contraluz dessa proposta no mínimo pseudo-idealista para a qual se encaminhava a classe pensante da então Europa belicista, o contato com a mentalidade norte-americana ensinou-lhe algo muito importante, que setores embrionários da antropologia já desconfiavam há tempos. Ensinou-lhe que olhos sábios e bem treinados, que não apenas veem as coisas, mas as enxergam como sugeriu um dia Santo Agostinho, devem perceber que os problemas concretos, ao invés de saírem da alcova do conceito, na verdade surgem das vicissitudes dos homens de carne e osso. Voegelin percebeu que se escarafunchasse com rigor o quotidiano não previsto pelas formalidades, sem medo de se “sujar” com fatos, talvez descobrisse que a própria realidade é capaz de fornecer princípios hermenêuticos para sua interpretação.


Essa lição perpetuou-se com robustez no espírito de Voegelin até o final de sua vida terrena, definindo o desenho básico assumido por seu trabalho acadêmico posterior. Em poucas palavras, digamos que ele havia compreendido a profunda simbiose existente entre pensée e évènement, como dizem os franceses. Quer dizer, por um lado, aprendeu a avaliar, sem a implicância dos empiricistas, a decisiva atuação analítica do conceito sobre a formação dos encadeamentos reais; por outro lado, sem se deixar alienar como os racionalistas mais prosélitos, desfez seus antigos “ouvidos de mercador” para o fato dificilmente contestável de que a realidade não pode ser confundida in totum com as operações intelectuais que pretendem esquadrinhá-la em sua organicidade.


 
 
 

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