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O “KAMPFBLATT" DA MILITÂNCIA GAY

  • Vicente Cevolo
  • 27 de mar. de 2015
  • 8 min de leitura


Observação: A presente redação não trata da "homossexualidade" (questão antropo-psico-biológica), mas da "militância homossexual" (questão onto-política)



As formas discursivas e a militância política homossexual representam hoje em dia o lado indigesto do regime conceitual que arquiteta suas almas. São prova viva dessa propriedade inerente aos grandes pensamentos libertadores: transitar da fundação de abismos que libertam à fundação de novos fundamentos que aprisionam.


Na semana transcorrida, a justiça de São Paulo condenou o ex-candidato à Presidência da República Levy Fidelix por declarações que supostamente ofendem a condição e a alteridade homossexual. Comumente essas transgressões são designadas por meio da crase do prefixo grego homós (homo, semelhante) com o substantivo phóbos (fobia, aversão). As declarações de Fidelix foram consideradas homo-fóbicas, ou seja, por definição, ontologicamente avessas à multiplicidade de sexualidades existentes (lésbica, transexual, etc.) e axiologicamente hostis aos vínculos físico e afetivo entre elas. Nesse ínterim, a mesma juíza determinou que o partido político do ex-candidato, o PRTB, promovesse uma atração televisiva que enaltecesse o conjunto de direitos da comunidade homossexual e/ou plurisexual.


Como era de se esperar, nas mídias impressa, virtual e televisiva circula uma uniformidade opinativa sobre o tema. Animados pela força hiperlativa do politicamente correto, os veículos de comunicação e as instituições governamentais massacram Levy. Diante disso, é míster que se esclareça a população algo sobre a subjacência epistemológica dessa unanimidade que é mantida em eclipse pela jurisprudência e pelos formadores de opinião. Tanto a condenação jurídica das declarações ditas homofóbicas quanto a demonstração de poder ídeo-politico - expressa na exigência de promoção pública dos direitos da homossexualidade - assentam numa decisão de sentido comum. Em termos de rudimentos, ambas partem de um consenso teórico tenso entre leituras da sexualidade radicalmente oposto ao modelo realista-naturalista. Nesse consenso, assume-se como esquema de sentido - cientificamente legítimo e culturalmente vitorioso - aquele que prevê uma definitiva (des)relação entre a esfera genético-fisiológica da biologia, o domínio analítico do gênero e o plano anticlíneo da consciência humana. As próprias teorias da sexualidade heterodoxas e as intermináveis contendas antropológicas sobre a questão diferem entre si fundamentalmente em razão de suas diferentes interpretações e amplificações desse mesmíssimo esquema (des)relativo.


Os modelos naturalistas fundamentam-se num esquema de sentido simétrico de ponta a ponta. Pressupõem a relação linear entre proposições fixistas de bioquímica reprodutiva, conceitualizações coerentes de gênero e dinâmicas estáveis de libido. Nesses modelos, o gênero é basicamente definido em consonância às características genotípicas e fenotípicas no plano biológico-natural, mas também em conformação à força (forma definidora) e à fragilidade (matéria a ser definida) no plano egóico, e, com efeito, em relação a hominicidade e a feminicidade no plano dos papéis socioculturais. Gêneros, portanto, são absolutamente dois: masculino e feminino. O masculino nomeia os seres portadores de sistema genital simbolizado pelo pênis, providos de específica configuração biótipa, sistema psíquico e categorias morais; o feminino, por sua vez, designa os seres portadores de aparelho reprodutor sumariado pela vagina, igualmente providos de particular organização corpórea, psíquica, moral e função social.


Nos modelos realistas e naturalistas, o arranjo anátomo-fisiológico e a orientação de gênero determinam o direcionar hetero da libido. Os homens, biologicamente machos e culturalmente masculinos, têm como objeto autêntico de desejo o sexo oposto, enquanto que as mulheres, organicamente fêmeas e psicossocialmente femininas, no processo de reconhecimento haverão de ter o homem como seu objeto genuíno de desejo. Macho e fêmea, masculinidade e feminilidade, homem e mulher unem-se a fim de substanciar uma determinação universal que os antecede e os ultrapassa, reconciliando a geração presente à riqueza secular do passado e possibilitando, por intermédio do ciclo reprodutivo, o futuro dela enquanto espécie. A orientação homossexual é prevista, mas é tida ou bem como exceção minoritária e desvio (perspectiva evolucionista), ou bem como patologia psiquiátrica (perspectiva médica), ou bem como conduta pecaminosa (perspectiva religiosa).


À contra luz do modelo unilinear, que co-direciona genitália, gênero e volúpia em prol de uma razão natural e cosmogônica, as matrizes antinaturalistas - cujo apoio teórico mais substancial encontram nas filosofias francesas da différence (fr. diferença) - publicitam um esquema de relação antilinear entre as três modalidades que inteligibilizam a sexualidade. A noção de sexualidade, antes enclausura à sua primordialidade teleológica (gr. télos: fim), é aqui amplificada e aberta.


Em meados do século XX, incluiu-se no bojo da sexualidade um síncrono de dimensões como a influência cultural (discursiva, étnica, parental, etc.), o imaginário, a memória e as relações de poder. O gênero, antes fragmentado em dois núcleos opostos e quase autopoiéticos, multiplica-se internamente e presentifica-se no mesmo sujeito de modo a torná-lo uma polifonia indecisa. O indivíduo agora é composto, num só́ tempo, por masculinidades e feminilidades, pensadas na flexão plural. Percebe-se uma desrelação entre a anatomia e o gênero. Este passa a ser uma categoria analítica, dependente de uma série de declinações complexas e edificada historicamente. O masculino e o feminino já não se vinculam imediatamente às morfologias do pênis e da vagina; e, o que é mais importante, a biologia e o gênero, em adjacência, não coordenam mais univocamente as rédeas do desejo.


As sexualidades transgênera e transexual, por exemplo, apresentam ambiguidades em suas dinâmicas comportamentais que desconcertam qualquer cômputo naturalista na mesma medida em que aparentam validar o retro dito esquema de desrelação. O mais intrigante na etnografia do transexualismo masculino e feminino relaciona-se ao intervento para a modificação das características sexuais – a cirurgia de redesignação sexual. A literatura menciona casos em que um sujeito, detentor de sistema endócrino e reprodutor masculino, ou seja, biologicamente macho, altera a sua própria genitália para continuar a manter cópulas, carnais e afetivas, com mulheres. Quer dizer, altera-se o fenótipo masculino, adaptando-o ao fenótipo feminino porque se deseja a mulher, não como homem sensu stricto, mas na condição lésbica. Destarte, é plausível conceber indivíduos que se “transmutam” em mulher à medida que desejam o sexo feminino como mulher, bem como mulheres que se “transfiguram” em homens, mediante tratamento hormonal e cirúrgico, porque desejam relacionar-se com homens na condição homossexual masculina. Oblíquo, o delineamento estonteante da identidade transexual constrange o ângulo realista. Seu coeficiente de verdade empírica parece condenar o triunvirato organismo-gênero-libido a curto-circuito irreversível.


Porém, o amigo leitor deve estar atento. Da mesma forma que se pode garantir a sustentabilidade empírica e teorética do modelo antilinear, partindo de proposições como o “construcionismo de gênero” ou a “desconexidade identitária”, pode-se também condená-lo à incoerência delirante com base em conceitos reflexivos, ou então, se se quer ser mais radical, defini-lo logo como desvio de personalidade, ou então disforia de gênero, em conformidade com capítulos de tratados psiquiátricos a respeito de transtornos mentais.


Todavia, note-se que não ambiciono eleger uma dessas latências especulativas como verdadeira, indo a favor de gregos e contra troianos. Quero apenas sublinhar, com cores bem luminosas e fortes, o coerencitismo inalienável enleado ao tema e escamoteado nas discussões políticas. Não obstante, no parlamento brasileiro e na grande mídia nega-se veementemente o óbvio descarado, a saber, que ambos os modelos são unicamente formas relativas de construir sentido, com licitude no interior de determinados limites hermenêuticos. Nenhuma delas é extra-perspectiva, devendo ser aceita em triunfo.


Apesar de escamoteado, não sejamos ingênuos de pensar que esse detalhe foi esquecido. A predileção pelo esquema de sentido antilinear, como âncora no discurso LGBT, não constitui simplesmente mera adesão a eficaz artefato linguístico-epistemológico contra a intolerância heteronormativa (secularmente existente) e elemento desconstrutor na luta pela despatologização da conduta sexual.


No quartinho dos fundos, o esquema desrelativo, em aparência sempre aberto ao inédito, veste-se com trajes de verdade teológica insofismável – para os seus. Fá-lo porque faz parte de uma pujante manobra de poder, que, na medida de seu desenrolar, torna-se cada vez mais transparente ao cidadão mediano. É preciso dar-se conta que por detrás do tom entusiasta de alguns de seus decanos - cito o televisivo Jean Wyllys e o antropólogo Luiz Mott -, há em vias de desenvolvimento um projeto sub-reptício – jurídico, ético, pedagógico e, sobretudo, antidemocrático - de metamorfose integral de valores, performances e atitudes. Noutras palavras, há muita consciência viva e teoria revolucionária borbulhando no subterrâneo abaixo da rotineira ode à alegre pluralidade.


Pascal Bernardin nota uma artimanha semelhante, à esquerda, presente na reforma do ensino francês. Segundo o autor de Maquiavel Pedagogo (Machiavel Pédagogue, 1990), as psicopedagogias aplicadas à educação francesa, de forma particular, e à educação contemporânea, de modo geral, visam articular uma revolução cultural em grande escala, contra toda sorte de intolerâncias, através da modificação intencional do comportamento humano e de sua ação. Por meio de sofisticadas técnicas psicossociais de manipulação, as pedagogias ativas pretendem eliminar o “ensino cognitivo”, substituindo-o pelo “ensino multidimensional”. Como nos escorda Leon Festinger (Conflict, Decision, and Dissonance, 1964), a intenção é estimular a formação de uma faculdade conhecedora de múltiplas visões de mundo, em rotas de colisão entre si, compatível com nosso ordenamento geopolítico plural. O objetivo crucial seria induzi-la à aceitação irrefletida de critérios originalmente em dissonância com o que ela considera proporcional e legível.


Basta observarmos as cartilhas escolares. Nos seminários de geografia e história, eg, facilmente ver-se-á os nacionalismos a ser substituídos pela noção de mundialização, sem o devido acompanhamento da crítica arqueológico-genealógica dos contra processos; em sociologia, veremos o tradicionalismo cedendo passo à compreensão não conceitual dos diversificacionismos; nos ensinos cívico e sexual, encontraremos a moralidade bairrista submetida a processo escalar de dilapidação, sem a avaliação honesta das consequências de sua perda (M. Oakeshott), para abrir espaço à permissividade tolerante do universo gay minoritário.


Atualmente um programa de poder é esquadrinhado. Ao lado do “modelo multidimensional” na pedagogia, ou do “modelo das comunidades interpretativas” na ética, jaz o “modelo desrelativo”, dominante, nas questões de sexualidade. Todos são facetas de um importante decurso manipulatório de substituição de um “regime das reflexões” por um “regime das diferenças”.


O que não se diz é que para constituir seu ideal de corpo social majoritariamente inclusivo, o regime das diferenças está a enfraquecer a própria capacidade reflexiva pública e individual. Por ser positivamente autocontraditórias, as intuições interna e externa da consciência reflexiva são concebias, simultaneamente, em relação opositiva (coisas distintas) e em relação concomitante (coisas iguais). A reflexão, assim, tolera refletir sobre mediações de sentido que são concordantes e, isocronamente, contrárias aos seus valores mais elementares. Portanto, a capacidade reflexiva, ao refletir, inclui, mas também opta e exclui.


O regime das diferenças quer deixar-nos em permanente apneia epistêmica. Pretende transformar sutilmente a cabeça das pessoas num enorme vórtice de inclusão através da restrição da atividade reflexiva, que, ao lado da inclusão, envolve necessariamente a opção desconciliadora e a exclusão marginalizadora. Sua operatividade inclusora faz lembrar a leitura que Nicolai Hartmann atribuiu erroneamente ao eu absoluto de Fichte (Die Philosophie des deutschen Idealismus, 1923). Semelhante a ipseidade absoluta, o regime das diferenças é uma consciência ególatra, ou seja, vaidosa que é, no fundo não tolera o diverso dela mesma; ao “refletir” sobre o outro, reflete apenas sobre si e sobre suas próprias reflexões, realizando círculos intermináveis e sempre mais amplos em torno de si sem deles sair. Para fazer conviver a variedade, a abordagem inclusora descarta, à força, os esquemas de sentido que considera “exclusores”.


Esses esquemas exclusores são todos os que fogem à sua regra. O que instaura, então, uma situação no mínimo ambivalente. O desconstrucionismo, que se afamou um dia por ter descarrilhado o vagão eurocêntrico e apregoado o libertar interpretativo sem precedentes, não se tem mostrado tolerante à existência crítica da real diversidade de pontos de vista, excelsa à sua artificial condescendência compreensiva. No campo político de forças e blocos de pressão, vemo-lo disparar sua MG42 contra pastores evangélicos e acadêmicos que não se coadunam a valores cardinais como multiculturalidade, mentalidade antibelicista, desarmamento civil, horizontalidade gestacional, construcionismo de gênero ou casamento civil igualitário. Sua ossatura interna é uma legislação fundamentalista e inescrupulosa. O que não seria de se estranhar, pois, como assevera Bernardin, todo projeto que pretende reescrever a história é essencialmente totalitário.


Ao recordar que “aparelho excretor não reproduz”, Levy não foi condenado pela polêmica mendaz que a expressão suscita. Não sejamos cínicos, caros leitores, estamos todos habituados aos espetáculos televisivos. Ele foi condenado, diversamente, porque se mostrou adepto fervoroso do modelo naturalista, objeto maior de crítica da ideologia de gênero atualmente imposta à população brasileira, que se vê constrangida a aceitá-la (e a inculcá-la) sob o risco de ser carimbada imediatamente com o símbolo do preconceito. De facto, na organicidade realista, a união do mesmo sexo, apesar de natural, não se mostra capaz de atualizar a razão cosmológica que doa sentido à sexualidade. Levy foi simplesmente coerente. Ao sê-lo, cavou sua própria cova no instante em que manifestou sua frontal contrariedade à lógica exclusora própria da utilização militante do esquema de desrelação, este Kampfblatt da propaganda gay e ferramenta epistemológica da proposta multidimensional na esfera da sexualidade. Levy fora paradoxalmente excluído pela “ditadura da inclusão universal”.


P.S: “Kampfblatt der nationalsozialistischen Bewegung Großdeutschlands”, nome inicial do principal jornal de propaganda nazista.

BIBLIOGRAFIAS

HARTMANN, Nicolai. Die Philosophie des deutschen Idealismus. Berlin: De Gruyter, 1974.

FESTINGER, Leon.Conflict, Decision, and Dissonance. Stanford, California: Stanford University Press, 1964.

BERNARDIN, Pascal. Machiavel pédagogue ou Le Ministère de la réforme psychologique. Éditions Notre-Dame des Grâces, 1995.


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