DISSONÂNCIA COGNITIVA
- Vicente Cevolo
- 7 de jan. de 2015
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Dissonância cognitiva. Este é nome da mais eficaz técnica de manipulação psicológica concebida. Como o próprio nome diz, sua força reside na aptidão de criar situações capazes de dissonar, ou seja, de desorganizar, repentina ou metodicamente, nosso cérebro. Essa técnica trabalha distorcendo o operador que garante à unificação de toda estrutura cognitiva, ou seja, nosso “senso das proporções”, particular e insubstituível (cada um tem o seu). Diante de forte dissonância cognitiva, tendemos a reorganizar a inteira estrutura de nosso psiquismo, a fim de reduzir imediatamente a pressão dilacerante das oposições, contradições e antíteses provocadas pela dissonância em nós. Não funcionamos se os códigos se confundem, a ambivalência de significados é-nos insuportável.
No quotidiano, na vida comum, só há compreensão mútua porque respeitamos alguns limites linguísticos, pragmáticos, e aceitamos os princípios de identidade e de não contradição da velha metafísica, engendrada pelos gregos. Se se perde o discernimento moral, se os sentidos não nos orientam mais como bússola, se isto não é mais diferente daquilo, se não há fronteira entre as coisas naturais, mas uma simples diferença de continuidade entre elas, jamais haveria pensamento, ação e intercomunicação possíveis. Com o presente oscilando indefinidamente entre passado e futuro, subdividindo-se entre a morte biológica, necessária à espécie, e à implosão de todo sentido com o morrer, absurda ao indivíduo, a mente enlouqueceria. O próprio conhecimento, a própria cultura, são fugas fictícias desse presente intolerável, dessa dupla subjetividade, bem apontada por Schopenhauer, que nos dilacera.
A dissonância é uma técnica sofisticada porque não menospreza o germe de loucura que nos habita, e a fuga interna, incessante, que dele fazemos. Ao contrário, explora (sempre a favor de quem a opera) às possibilidades advindas da temporária reorganização psíquica da presa escolhida. No momento em que somos obrigados a reorganizar-nos diante da pressão insuportável dos desacordos e das desarmonias, desativamos nossa central de defesa. Ficamos vulneráveis. Abrimos uma fenda preciosa em nossa psique. Através dessa fenda, quem manipula introduz em nós, com nossa própria condescendência, critérios de ponderação e sistemas de valores incompatíveis com nosso ser e agir. Aproveitando-se da confusão, solapam à coerência de nosso hipocampo, memória de longo prazo, desestabilizando nosso bom senso e fazendo com que nos esqueçamos do que realmente se passou. Diante de nossa ânsia por estabilidade, metem-nos em becos, aparentemente sem saída, que nos induzem a crer em situações que sabemos ser, no fundo, objetivamente falsas.
Afinal, quando estamos confusos na base egóica, quando não sabemos mais o que confere sentido ao nosso agir, perdemos o senso das proporções. O caos invade nossa linguagem como onda furiosa. Sem referência clara, sem sistema de inteligibilidade bem definido, somos naturalmente impulsionados a absorver outros parâmetros que o são, para substituir os velhos, em crise, e reestabilizar novamente nossa cognição. Precisamos de abraços que nos devolvam o familiar de volta, que expulsem à incerteza e que repintem, com cores vibrantes, sua enigmática zona cinzenta.
Pascal Bernardin, ilustre pedagogo francês, dedica um livro inteiro à descrição das diversificadas técnicas de manipulação psicológica, utilizadas no ensino francês desde a reforma ministerial. Como recorda Bernardin em seu Machiavel pédagogue (Maquiavel Pedagogo, 1995), quem pratica a técnica da dissonância cognitiva visa extorquir a nós, em prol de si, atos em contradição com nossos próprios valores. Voláteis, deixam-nos tontos, para depois invadir nossas mentes, exatamente como àquele verme que adentra o organismo dos gastrópodes, domina seu cérebro e alimenta-se de suas vísceras, crescendo sem aparecer. Entretanto, não devemos esquecer de que o volume dilatado das lesmas é traiçoeiro: representa o sinal de sua morte inevitável ao mesmo tempo em que manifesta a pulsante vida oculta, que se desenvolve desde suas entranhas.
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