APRENDER A FALAR
- Vicente Cevolo
- 6 de jan. de 2015
- 2 min de leitura

Aprender a falar. Precisamos ensinar-nos a falar. Isto não significa dizer exatamente o que se pensa. O dito nunca foi e nunca será a formulação precisa e exaustiva do que se é capaz de pensar, tese negativa que, se contrariada, pode induzir-nos ao raciocínio falacioso que associa, sem mais, o não dito ao não pensado. Evidentemente uma relação simplista entre o silêncio e a fala, que predica: todo pensamento deve vir à fala, e toda não fala deve apontar a ausência absoluta de idéias, como se tudo o que não é dito correspondesse a um mero “nada” de pensamento ao invés de uma provável frequência inaudível. Bem ao contrário, o silêncio pode ser indicativo de que “existem” pensamentos que não podem ser ditos, mas que apesar disso, podem ser pensados.
Articulando à francesa as antigas lógicas estóica e aristotélica, Maurice Blanchot costumava enfatizar, com lucidez, que em todo evento coexistem sempre duas dimensões inseparáveis: o plano dos processos que transitam do abstrato ao concreto, do indeterminado ao determinado, adquirindo corpo e visibilidade à luz do dia, e o plano das coisas que permanecem em abstrato, na invisibilidade sem rosto, ainda desintegrada, continuando a viver sem existir, no mundo, com identidade. Portanto, do mesmo modo que existem pensamentos em ato, que se concretizam a todo momento em pura efetividade real, não podemos ignorar que há também uma fonte inesgotável de pensamentos em potência, que atravessam, em silêncio, a noite da historia, transmutando-se, perdendo-se ou permanecendo vivos, em segredo, sem jamais se atualizar. Nesse sentido é que devemos aceitar que o saber dos homens não deve ser considerado somente em relação ao que dizem ou escrevem.
Porém, aprender a falar também não significa dizer exatamente o que não se fala. Os ditos não representam o simples transitar dos pensamentos que não falam aos dizeres que tagarelam por eles. Com efeito, não faz sentido falar de um conjunto de pensamentos mudos semanticamente, não linguísticos, acorrentado por séculos na rigidez de seu próprio definitivo, à espera de um espírito dadivoso, provido de enorme sensibilidade fonética, que com sua microfonia seja capaz de dar voz a tal estado pensado em silêncio, fazendo dele um estado pensado em voz alta. As obras humanas jamais estão à margem dos jogos e dinâmicas interpretativas, das processualidades ídeo-políticas, mas as criam dialogicamente ao mesmo tempo em que são por elas criadas. Nesse sentido, crer que pensar é transitar do mudo ao dito equivale a privar a obra de seu próprio nascimento. Afinal, como recorda Clément Rosset, a experiência ensina que toda obra de tal modo pronta antes de sua realização... é uma obra morta.
A verdade é que o dito não empresta, com tal intensidade, colorido e pitoresco à totalidade do pensar. O pensar não tem o seu ser fora de si, no dizer. Como foi aludido, uma obra nunca é totalmente impensada antes de ser concebida. Mas também é verídico que pensamentos sem voz não são plenos de si, no pensar. As obras nunca estão totalmente pensadas antes de ser escritas.
Leitura sugerida: ROSSET, Clément. Logique du pire: éléments pour une philosophie tragique. Paris: Quadrige, 1971.
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